quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Ciencia, opinião e aquecimento global

Os dois artigos a seguir, merecem apreciação, por se tratar de opiniões alternativas sobre um tema que esta sendo objeto de muitas avaliações fantasiosas.


ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE
O governo negligencia a ampliação da produção do etanol, com tecnologia já desenvolvida, e prioriza a promessa incerta do pré-sal
"DO PONTO de vista da Shell, o debate está encerrado.Quando 98% dos cientistas concordam, quem é a Shell para dizer "vamos debater a ciência'?"Assim falou John Hofmeister em 2006, presidente dessa companhia.Referia-se ao debate sobre as consequências para o aquecimento global e as mudanças climáticas devidas à queima de combustíveis fósseis.Pois bem, a capitulação da Shell, assim como a da Exxon, em 2007, em relação às evidências dos fenômenos que lhes eram enormemente adversos financeira e politicamente deveria ter, de fato, selado a polêmica.Todavia, se 98% dos cientistas concordam, poderíamos talvez concluir que 2% discordam da relação causal entre emissão de gases de efeito estufa, aquecimento global e consequentes mudanças climáticas.Entretanto, estamos aqui em um campo de opiniões, e não no da ciência. No que diz respeito à ciência, ela diz peremptoriamente que a relação causal está comprovada. Vejamos o porquê da diferença entre opiniões de cientistas e uma afirmação científica.Um novo conhecimento é incorporado à ciência por meio de um processo que se inicia com a sua divulgação em um sistema de comunicação em que outros pesquisadores analisam e aprovam ou não a pertinência dos resultados e conclusões.Ora, enquanto centenas de artigos profissionais que passam pelo processo de avaliação aqui descrito confirmam a existência da relação causal entre emissões de gases de efeito estufa e aquecimento global, não há um único que a negue e que tenha sido divulgado pelo sistema de revistas ditas indexadas, com avaliação por pares.É verdade que houve, de permeio com maliciosa propaganda, suborno e corrupção, algumas declarações de respeitados cientistas contrários à posição da quase totalidade. São, porém, opiniões pessoais que não derivam de atividades de pesquisas desses mesmos cientistas. Valem como opinião, não como ciência. Consequentemente, não podem ser consideradas como um percentual da ciência.Os céticos citam manifestos assinados por cientistas e instituições que desacreditam a relação emissões-clima. Vejamos o que significam os principais deles:1) O "Consenso de Copenhague". Um conjunto de oito economistas de primeira linha, incluindo três detentores de Prêmio Nobel, reunidos em 2004 na capital da Dinamarca, elencou os principais problemas que afligem a humanidade, avaliando o aquecimento global como de muito baixa prioridade. Levando-se em conta a baixa frequência de acertos em previsões feitas por economistas, podemos considerar esse manifesto uma contundente comprovação da relação entre uso de combustíveis fósseis e aquecimento global.2) Os vários manifestos de cientistas, os "400 do relatório do Senado americano", a "Declaração de Manhattan", a "Declaração de Leipzig" etc. são agregados de nomes pouco conhecidos, com poucos autênticos cientistas, ou documentos que nada, em verdade, afirmam (leia-se Craven, G., Julho 2009, Penguin).A percepção da ameaça ao conforto futuro, se não à própria sobrevivência do Homo sapiens, se mostra tão aterradora e inexorável que preferimos, sempre que uma oportunidade se nos oferece, esquecê-la como se nunca tivesse existido.Seja exemplo o caso do Brasil, país que se arvorara em paradigma de sustentabilidade, com metade da energia que consome sendo renovável.Pois não é que, no interesse exclusivo da Petrobras, os "soi-disants" planejadores do setor elétrico propõem a aquisição de mais que 50 termoelétricas a óleo combustível, o mais poluente dos derivados de petróleo e grande emissor de gases de efeito estufa, apesar do imenso potencial hidroelétrico remanescente no país?E só porque, rejeitado universalmente, esse combustível constitui uma dificuldade de comercialização para a Petrobras, cujas ações preferenciais, em sua maioria, estão em mãos estrangeiras, mas que, não obstante, se revela gigantesca e perversa arma de atuação política.Pelo mesmo motivo, negligencia o governo a ampliação da produção do etanol, cuja tecnologia já está desenvolvida, priorizando a promessa incerta do pré-sal. E isso apesar do potencial de produção maior, de investimentos menores para a mesma produção de energia e da sustentabilidade desse biocombustível.A única explicação para essa escolha, esdrúxula para dizer o menos, é a concentração de poder político que a exploração de petróleo proporciona em um monopólio de fato na mão do Estado.
ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE , 78, físico, é professor emérito da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e membro do Conselho Editorial da Folha .


Pré-sal e desenvolvimento sustentável

José Goldemberg
Há 35 anos os países da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) cortaram radicalmente a sua produção e lançaram o mundo ocidental - inclusive o Brasil - na pior crise de energia do século 20. Não havia, na época, uma compreensão clara das consequências ambientais do aumento do consumo de combustíveis fósseis e das emissões resultantes, que são responsáveis pelo aquecimento da atmosfera. Consumir mais era um sinônimo de progresso econômico e riqueza.O Brasil, na ocasião, importava quase todo o petróleo que consumia e gastava, antes da crise, cerca de US$ 500 milhões por ano. Após a crise, a "conta petróleo" subiu para mais de US$ 4 bilhões, cerca da metade de todas as exportações do País. Demorou mais de 20 anos e um trabalho intenso da Petrobrás para descobrir e explorar petróleo na plataforma continental e nos levar à autossuficiência. Ainda assim, as reservas avaliadas até agora não devem durar mais de 15 anos.Com a redução da produção dos países da Opep, os países industrializados fizeram grandes esforços para reduzir o consumo e desenvolver fontes adicionais de petróleo e energia. A produção de petróleo a partir do xisto betuminoso no Canadá é um exemplo desses esforços, apesar de este ser um processo caro e complicado. A produção de etanol de cana-de-açúcar no Brasil é outro exemplo.Se o pré-sal tivesse sido descoberto em 1975, com suas enormes reservas estimadas, a história da energia no mundo talvez tivesse sido diferente. O País seria visto como uma salvação do mundo ocidental, que viria todo investir aqui e nos ajudaria a colocar petróleo do pré-sal nas refinarias.Quando a crise criada pela Opep passou e o petróleo passou de novo a ser abundante e relativamente barato, a febre do consumismo voltou com força total, os projetos de xisto no Canadá e muitos outros foram abandonados. Talvez a única exceção tenha sido o apoio constante que o governo brasileiro continuou a dar à produção de álcool da cana-de-açúcar, o que é, de fato, extraordinário e louvável.Hoje a situação é diferente, por duas razões:Em primeiro lugar, porque sabemos muito bem que é preciso reduzir as emissões de gases que resultam da queima do petróleo. Estão em curso negociações internacionais - que vão culminar com a conferência internacional em Copenhague, em dezembro - que poderão estabelecer limites severos ao uso de combustíveis fósseis. Eles foram os responsáveis pelo progresso da humanidade no passado, mas o futuro hoje não é visto como mais petróleo, mais gás e mais carvão, e sim energias renováveis.Em segundo lugar, porque as reservas internacionais de petróleo e gás estão em processo de exaustão e sua vida remanescente estimada não é maior do que 40 ou 50 anos.Por essas razões, uma euforia exagerada em relação à descoberta de mais petróleo tem de ser evitada, a fim de não levar o País a abandonar recursos e tecnologias que sejam sustentáveis a longo prazo e que não se vão exaurir como o petróleo ou gás.Vários países do Oriente Médio, os maiores produtores mundiais de petróleo - e que possuem as maiores reservas provadas -, já se deram conta disso e estão diversificando suas fontes de receita, como é o caso de Abu Dabi, Dubai e outros, que são não apenas locais para turismo, mas também grandes centros comerciais e de desenvolvimento tecnológico. Dependência do petróleo simplesmente não é o caminho de um desenvolvimento sustentável.Há outros aspectos em que a situação atual é muito diferente da de três décadas atrás. Não existe falta de petróleo e os grandes produtores do Oriente Médio têm capacidade ociosa, já que com a crise mundial o consumo caiu. Essa é uma das razões por que o preço do barril se estabilizou em torno de US$ 60, muito abaixo dos US$ 140 do ano passado, antes da crise. Outra razão é a especulação pura e simples. O que pode ocorrer é, simplesmente, não haver compradores para petróleo do pré-sal no futuro.O que fazer, portanto, com o pré-sal, riqueza encontrada pela Petrobrás no fundo do oceano, a centenas de quilômetros da costa e a mais de 7 mil metros de profundidade?Sob um certo ponto de vista, essa riqueza ainda não é real: é como se fosse um diamante bruto que precisa ser lapidado. Ou talvez, mal comparando, como o minério de urânio - do qual o Brasil tem reservas razoáveis -, que só ganha valor se for "enriquecido", um processo caro e complicado. Altas autoridades do País frequentemente confundem as duas.Investir agora enormes recursos do governo na exploração do pré-sal - que certamente vão fazer falta em outras áreas, como educação e saúde -, contando com grandes ganhos no futuro, é pelo menos temerário. Não é possível prever qual será a taxa de sucesso na abertura dos poços para a retirada do petróleo, já que não existe experiência prévia nessa área. Tampouco se pode prever se não surgirão problemas ambientais novos, o que pode atrasar a exploração. Sob esse prisma, uma grande batalha para dividir os royalties que o pré-sal vai gerar é, no mínimo, prematura.O que parece razoável é investir cautelosamente na exploração e dividir o risco e os custos com outras empresas de petróleo, sobretudo nas pesquisas científica e tecnológica indispensáveis para aumentar as "chances" de sucesso dos empreendimentos. Se fracassos ocorrerem, os custos serão divididos. Se houver sucesso, serão divididos os lucros, mas não há como ganhar sempre.Vender ilusões e miragens pode ser uma boa tática eleitoral, mas neste caso elas poderão custar muito. Enquanto isso, investir mais nas tecnologias do futuro (energia solar, dos ventos, biomassa e carros elétricos) parece um caminho mais seguro. José Goldemberg é professor da Universidade de São Paulo

Postados por Paulo R. M. Lima

Um comentário:

  1. Que postagem excelente. É bom ter uma consciência crítica em torno dessa recente expectativa em torno do pré-sal.

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